terça-feira, 5 de agosto de 2008

Velha Infância

Existe algo de tão profundo nos espaços de minhas memórias que de fato já não me lembro. Procuro restabelecer o contato com um cômodo, por exemplo, de uma casa de infância, mas ele já não esta mais ali. Vejo a sala, os espelhos, a vitrola na prateleira de vidro, o banheiro de azulejos amarelos e marrons, mas não vejo o cômodo.

Não me lembro da cama da minha mãe e nem da colcha que ela usava. Pouco me lembro de minha própria cama, no quarto que dividia com minha irmã. Lembro da colcha vermelha de coraçõezinhos brancos, mas não por mim, mas porque ela me fez lembrar. Sei que existia um armário branco, mas somente porque vi em fotos.

Na verdade, nem sei se são minhas lembranças ou lembranças que re-signifiquei através de fotos que vi. Nos mudamos quando eu estava com 8 anos eu acho, mas minha irmã jura que eu tinha 6. Seis é melhor pra mim porque posso me cobrar menos por não me lembrar da antiga casa...

Depois dessa mudança a única outra casa que morei foi do intercambio em Londres. Fora isso a casa foi sempre à mesma. O quarto que era meu e da minha irmã hoje é só meu. Já teve papeis de paredes de varias cores e desenhos, já mudei a cor do armário, já tirei portas, já tive escrivaninha, mas na essência... é sempre o mesmo quarto.

Sei que passei outra parte da infância aqui, me lembro melhor, mas quando me perguntam onde era o meu canto, eu simplesmente não sei. Acho que nunca tive um. Não me lembro de ficar embaixo da cama, nem de me cobrir com ursinhos de pelúcia. Não me lembro do canto onde ficava minha irmã, nem se ela também não tinha um canto.

A verdade é que sempre tive muito espaço, espaço dentro e fora de casa, e não me lembro de precisar de canto nenhum, porque era tudo muito grande e espaçoso e eu gostava disso.

Me acostumei com espaço, com privacidade, com muito oxigênio, tínhamos ate um parquinho só pra nós... Sou mimada, espaçosa, e gosto de ficar sozinha... paciência!

2 comentários:

Unknown disse...

Eu tb às vezes fico confusa se as minhas memórias não foram meio inventadas pelas histórias que os outros contam, ou que as fotos mostram.
E o quarto em que eu durmo sempre, mas sempre mesmo, foi o mesmo. Dá um tom assim quase uterino... de segurança. Aqui, eu conheço. Cada rachadura. Ando de olhos fechados e não tropeço, conheço as dimensões como conheço ao meu próprio corpo.
Fiquei aqui me perguntando... será que vivo a procurar sempre as mesmas coisas... frequentar os mesmos velhos lugares... em busca de segurança?
No fundo no fundo... evitando tombos por lugares desconhecidos?
As coisas têm mudado, gata... precisamos hablar.
Amo, saudades muitas.

Flavia Melissa disse...

bom mesmo é saber o que se é, se aceitar assim e fazer das lembranças o pano de fundo de todas as lições que norteiam nossas vidas...

amo!