segunda-feira, 22 de setembro de 2008


Sentados na mesa da cozinha, dois irmãos conversam. Ela esta escrevendo a lista de supermercado, disse que foi a mãe quem mandou. O irmão se espanta e ela logo esclarece que foi por um recado deixado na secretária eletrônica do dia anterior.
Ela: To pensando em comprar sorvete, você quer do que?
Ele: Humm, de uva passas.
Ela ri como uma criança, lembrando que ele sempre faz brincadeiras de coisas que não existem. Pensando nisso relembra os velhos tempos em que estudavam juntos, tinham apelidos engraçados, e como o tempo só serviu pra os unir, ao contrário do que acontece com a maioria.
Ela: Eu acho que minha inspiração voltou. Resolvi sair de casa com minha máquina fotográfica no bolso, e durante todo o dia tirei fotos da arquitetura da cidade, das pessoas interagindo com ela. Cheguei em casa renovada, preparei as telas e comecei a pintar. O trabalho ficou muito bom modéstia a parte, não quer ver?
Ele: Agora não.
Passou pela sua cabeça que alguma coisa podia estar errada porque ele, sempre se disponibilizou a ver seus trabalhos. Por pior que pudessem ser aos dez anos de idade, mesmo assim ele sempre olhava. Hoje não. Hoje ele nem se quer levantou da cadeira.
Ela: Sabe, há uns seis meses atrás eu preparei um portfólio. Demorei quase um ano montando, mas consegui finalizar. Gastei muito do que eu havia economizado, mas resolvi arriscar mandando pra universidade de Nova York.
O silêncio preenchia a cozinha, o irmão parecia imóvel como se milhões de pensamentos lhe atravessassem naquele momento. Ela refletia uma leveza de alegria com uma tristeza de pesar.
Ela: Foi há tanto tempo que eu nem me lembrava mais. Há dois dias chegou uma carta endereçada a mim, envelope grande.
Ela mal conseguia se conter de excitação e disparou que havia sido aceita na Universidade, e ainda recebera bolsa para os estudos e direito a trabalhar meio período.
Ele: Que ótimo, parabéns! Mas...
Cada frase era tão pausada que parecia que nenhum dos dois era capaz de reproduzir. Ele sentiu-se abandonado por um momento, pensou em como seria a vida sem a presença da caçula, pensou na mãe e fixou fundo o olhar.
Ele: Você já tomou uma decisão?
Ela: Ainda não.
Era uma decisão difícil de ser tomada, tinha o trabalho, o namorado, os projetos com o irmão, o próprio irmão de quem ela não passava um dia sem ver.
Ele: O Dr. Albuquerque ligou cedo. Enquanto você tirava fotos da cidade eu buscava o resultado dos exames da mamãe.
Ela: Que exames?
Ele: Acho que ela foi viajar justamente pra não pegar os exames, acho que no fundo ela já sabia.
Ela: Já sabia do que? Fala logo!
Ele: A gente precisa ser forte. A mamãe esta com um tumor no cérebro e o médico deu trinta dias de vida.
Ela desaba em lágrimas, eles se descontrolam... o irmão tenta solucionar os próximos passos. Ele também esta confuso, primeiro foi o pai quem partira, a mãe esta doente e agora a irmã falando que pretende morar em Nova York?
Ele: Entende porque não da pra você viajar agora?
Ela: Como vamos contar pra ela?
Ele: Não acho que ela deva saber.
Ela: Mas você não acha que ela tem esse direito? Você não viveria diferente hoje sabendo que pode morrer amanha? Não iria a lugares que nunca foi? Não faria aquele telefonema que não fez por orgulho? Não pediria desculpas?
Ele: Não acho que devemos contar.
Ela: Mas e se de repente trinta dias vira um ano, dois, três sei lá...
Ele fica totalmente tomado pela raiva, pela frustração, e lembra que nunca foram uma família religiosa.
Ela: Eu andei lendo umas coisas ai, e eu tenho fé ta bom? Acho que ela pode melhorar.
Ele: Não ela não pode, para de se iludir. Acho que no fundo ela já sabe, me deixou até o livro de receitas.
Cenas em flash back passavam por suas cabeças, ambos abalados e não sabendo como agir.
Ele: Lembra daquela viagem pra Atibaia que fizemos?
Ela: Aquela que eu quebrei o vidro do chalé?
Ele rindo responde que sim, - acho que foi ali que eu percebi a grandeza da mamãe, sua pureza, suas responsabilidades de mãe.
Ela: Eu não, pouco me lembro dessa viagem, era tão nova... Você não acha então que devemos ligar pra ela? Pedir pra ela voltar, fazer uma festa sei lá?
Ele: Festa? Pra celebrar o que? Um câncer? Não. Vamos nos encontrar com ela longe desse tumulto e fazer uma surpresa.
Ela: É podíamos fazer uma surpresa. Então não vamos contar? Você quem sabe.
Ele: Melhor não.
Ela: Você pode ligar pra ela, e dizer que esta tudo bem? Que pretendemos ir pra lá? Eu acho que não conseguiria.



quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Gentileza



Desde ontem venho pensando quantos são os momentos em que eu poderia ter sido mais gentil e não fui. Nos últimos tempos, tive várias oportunidades de ser melhor, mas continuei na minha confortavel zona de defesa.

Hoje eu resolvi continuar acelerada no trânsito, porém dei passagem A TODOS os pedestres, deixei com que todos os carros que precisaram passar em minha frente de fato entrassem, e ainda dei uma carona.

Eu resolvi que não vale a pena ter conhecimentos orientais de algo tão positivo e não passar adiante simplesmente por ser um serviço caro. E fiz uma consultoria de feng shui a ser paga posteriormente quando a pessoa puder e por um valor simbólico, sobre uma filosofia impágavel.

Eu escutei quem estava precisando falar, e não interrompi contando sobre meus valores ou opiniões.

Vou aderir definitivamente: "Se não puder fazer tudo, faça tudo o que puder"